Thursday 31 December 2009

Mulher Cão

Correm nas minhas veias cães negros
Um tremor que perpassa de um lado ao outro
Da praia onde recebo os elogios dos meus pais
Com o céu ocupado pela lua cheia que se espelha no ar
Dançamos ao ritmo polifónico do mar
Os abutres chegam à hora de almoço
O mês está pronto para sentar Portugal
O emigrante da pesca à linha do bacalhau
AUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!
Não sei se estou a uivar ou a rezar por um macho
Que tenha o cio tão insaciável quanto o meu corpo
Fogo inextinguível por ser filha da natureza
Fruto do compasso e convívio de dois sexos
Posso bradar como uma flor que se extingue no Inverno
Persegue-me o cheiro do teu poder que perfura as veias
Durante o dia os cães ladram à minha passagem
Como se fossem adolescentes a descobrir a virgindade
AUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!

Thursday 3 December 2009

Tuesday 28 July 2009

A fada azul e Pinóquio

Se me sussurrarem ao ouvido um sopro da vida
Apenas um simples lampejo de uma tempestade
O nascimento realiza-se ao rasgar das águas
As ondas a irromperem sobre a costa atlântica
Sou um império em que as cinzas é o português
Essa paixão atlântica que faz de mim uma criança
Nas mãos de uma fada tão azul quanto o céu pardo
Oiço a sua dedicação materna e consanguínea beleza
A sua palavra é um domínio de margens por conquistar
Da sua varinha com uma estrela prateada no cimo
Surge a luz que multiplica-me em heterónimos
E consequentemente numa ausência de mim mesmo
Destinado a ser uma pátria filha da abstracção
Construída sobre mares que em cada corrente virgem
Redefinia a condição dos portugueses no hemisfério
Os ventos alísios que sopram do ventre de fada
Submetem a sua vontade à minha multiplicação
Decomposto na mesma proporção da nossa paternidade

Sunday 19 April 2009

Saturday 18 April 2009

Vasto Mar de Sargaços

A estrada tem um sentido inverso às palavras
Imersas numa orientação gramatical
Numa sucessão de futuro e de passado
Unidos pelos verbos transexuais
As ondas são provenientes de um vasto mar de sargaço
Identifico as sombras que se acotovelam a ver-me boiar
O rosto é uma mancha que representa uma sala de personagens tipo
Prostitutas, prostitutos, chulos e velhos pedófilos com as mulheres em casa
Das quais levam porrada (ahahah) e jogam às cartas na tasca
Onde o relógio de cuco é um clássico da Disney e os cães a morte
O seu latir é introvertido alienado em relação aos donos
Que abrem os olhos através das persianas das marquises
Na casa onde flutua um vasto mar de sargaço
Que em remoinho por entre as ruas circulares das veias
O coração propulsiona uma velha questão
O espaço vazio de uma casa de boneca com figuras humanas
Que jogam o tempo em diferentes níveis narrativos
A narrativa ganha contornos de dramaturgia
Aquário de diversão nocturna

Saturday 7 March 2009

Friday 6 March 2009

Girl and Dog

A consolação da inércia submete-se a uma voz telefónica
A insultar a renúncia de trespassar a carne com bisturi
Sou a boneca decapitada por Paula Rego na infância
Retalhada pelas suas mãos de Alice no Pais das Maravilhas
A actriz que levanta as saias a um cão com cio
Que saliva por ordem secreta de Pavlov ao estalar
Do clítoris da menina que expele um odor frutuoso
Que o cão descobre como uma brisa de Primavera
Olha a Menina e vê as meninas do Velásquez
O macho não se permite a renunciar ao seu mundo
A sua contra-cena tem o sangue nas pontas dos cabelos
A centrifugar todo o espaço assexuado que a rodeia
Numa espiral de vigor revigorante de mutação da natureza
Humana que escolhe o cão como símbolo da fidelidade
Se estiverem há mais pelas ruas em redor do lixo
A perseguir uma cadela envenenam-se os restos
A hipocrisia é a ditadura do mal e da subserviência
Se ela atacar o cão para o barbear com uma naifa
Ele é condescendente com a sua adulação criminosa
O aparatoso reflexo dilata-se numa perífrase contagiosa
Que assalta a sociedade quando há cães esfomeados

Saturday 28 February 2009

Friday 27 February 2009

Courbet

A saliva transpira da língua da prostituta
Para um aquário de sereias suicidas
A inquietação do fervor experiente
Que se enrola nas hélices dos navios
E cobram a vida por cada foda natural
A penetração efectua-se com gentileza
Se fores uma mulher serás ninfa de Portugal
A proa desaparafusada e os seios de pombo
Por cada beijo os tiros perfuram as paredes
Do cubículo com luz vermelha introspectiva
Perfumado com o odor de outras mulheres
Na posição de missionária do nascimento do Brasil
Com assas flutuantes por canais da perdição
No espelho oferece a sua geografia feminina
À cadencia do carnaval do Rio de Janeiro
O chocalhar das lantejoulas na sua púbis
A veia central é rectificada pelo esperma
Transborda das margens que separam um risco
Para prolongar o amor para além de três dias
E isentar a vida das sombras cavernosas
Dependuradas do céu azul turquês

Monday 23 February 2009

Sunday 22 February 2009

Auto-Retrato

Sou a inconsciência da mistura da cor
O artista que se sacrifica por uma paisagem
Que a transpõe para o circuito sanguíneo
Todos os meus excrementos são arte
A vela sobre a cadeira ou o quarto
Penduro-me na pétala de um girassol
O céu laranja circular remoinho de sol
As cores são tão sanguinárias que turvam
A imaginação obliterada por pensar em Gaugin
Que me abandonou pelas ilhas Marquesas
Por ele acendo o cachimbo e emborco absinto
Sento-me na cama e acendo uma vela
No espelho está a sua imagem
Deixo cair o meu olhar para o interior
O meu cabelo ruivo, olhar azul e barba
Seguro numa faca de matança aos porcos
E coloco a lâmina sobre a soldadura
Entre o cérebro e o rosto e faço força
Grito e o sangue escorre pelo pescoço
Deito a orelha no alguidar sujo
Gaugin dá-me a sua mão e sou eu

Saturday 14 February 2009

Friday 13 February 2009

The Vivian Girls

As lagartas espalham-se em círculos
Fornicam com louva-a-deus e lagostas
A branca de neve beija um sapo verde
Num ritmo tropical de prazer quente
O segredo encontra-se nos lábios
Rosas com as pétalas em chamas
Circular ou vertical ou oral?
Por cada chupão que morde os seios
Tenazes como abóboras abortivas
Percorridas no salivar do pincel
Os animais saltitam e inspiram medo
Testemunham a presença de uma menina
Que desequilibra a natureza animal
Numa teia de miscigenação
Que representa o fim da virgindade
A flor é a sua mãe a emocionar-se
Num crescente imiscuir colorido
É a reprodução de um sonho
A inquietação de criar a anarquia
Por oposição à sombra paternal
A pátria onde não há realidade.

Saturday 7 February 2009

Friday 6 February 2009

Francis Bacon

Bebo um wiskey e queimo incenso
Num espaço de paredes frias
Preencho as paredes de cadáveres
Retalho um rosto e colo-o à tela
O sangue circula sobre o branco
Deponho o resto do corpo preso à sanita
Para que não fujas para a prostituição
E sejas o meu modelo esfomeado
O que rasteja por mais atenção
Suplica pela restituição da vida
Aplicada numa partitura críptica
O laranja e o negro são misturados
Recorto-lhe o escalpe com a navalha
Os seus gritos são abafados pela sanita
Com o telefone dou-lhe um banho quente
O vermelho alaga a minha tela tríptico
No centro Jesus à espera de redenção
Os corvos e os abutres estão de luto
Devoram os corpos e o sangue seco
Procriam à mercê dos predadores

Thursday 5 February 2009

Wednesday 4 February 2009

Balthus

A poesia aplica-se sobre a pele como uma creme
A mão macia percorre os cantos do corpo
Descobre uma entrada carregada de pelugem
Parece um fungo inerte que cospe sangue
É através da sua existência que perdura a virgindade
A mão sobre os seios que endurecem precocemente
E os dedos exageram na sua penetração
O ar é preenchido por gemidos privados
A paisagem é untada por um cheiro agridoce
Quando a salpica num instante e desaparece
Os segundos iluminam-se sobre a cama
Prepara-se para uma réplica de prazer
Tão frequente quanto um raio de luz
Que a penetra solenemente
É o milagre da multiplicação dos dedos
Que num instante delinearam o prazer
Que restringe ou separa o homem do divino
A depravação da deriva que instala a loucura
Numa certeza inapropriada para ser descrita
Por palavras inócuas e vãs e gratuitas
E relatadas nos livros da heresia religiosa